Pages

Sunday, February 26, 2017

É estúpida ciência da estupidez?

Excelente artigo na New Yorker, mas não diretamente quanto ao ponto que apresenta ou defende e em termos rasos se resume a mostrar que a razão apareceu e evoluiu para nos fazer, no máximo, em 'espertinhos', não em sábios. Faço aqui provavelmente o que com alguma facilidade se tacharia de 'tendenciosidade' (ou 'esperteza frustrada'), em particular por quem comprou sem tropeços a conclusão geral do texto, que é espécie de cilada armada pelo articulista, junto com os autores que cita, para si: além do voto gratuito de confiança que faz, lá pelo meio da matéria, na ciência (na 'boa e imparcial' ciência resistindo bravamente aos eventuais acossos de maus cientistas), o que de fato garante que a ciência não vem cometetendo mais erros do que acertos(*) - talvez não por falha no seu método, mas por aquilo a cujo serviço está?

O método experimental, a despeito das especificações que vem recebendo ao longo de sua história, não é livre de produzir ilusões e creio que jamais o será. Experimentar é preparar para certo fato do mundo algum tipo de armadilha de modo a fazê-lo revelar o que em circunstância normal não mostraria, como se faz aos animais, que entre outras coisas 'se revelam' escravos ou comida. Outra analogia, que prefiro, é a do interrogatório: o método da ciência é exclusivamente laboratorial, por mais que se acredite que trabalha 'a céu aberto' ('em canpo', como se diz), consistindo em 'atar e amordaçar' aspectos do mundo e lhes impor questões, supostamente para saber que leis seguem, mas com frequência minimizando a ação do interrogador, que como qualquer agente da Justiça traz consigo o corpo legal que o orienta. Há modos e modos de encurralar e capturar presas, muitos dos quais, antes, as destróem. Já quanto aos interrogatórios, sabemos, sutilezas na formulação das perguntas respondem por incontáveis insucessos.

Com isto não quero sugerir que o estudo do tema da tendenciosidade das opiniões seja escolha falaciosa da ciência, mas que muito possivelmente os experimentos sobre o assunto não tenham produzido maiores luzes sobre a real natureza desses fatos, suas causas etc. É possível, portanto, que a tendência para formular ou assumir opiniões inúteis ou prejudiciais (até para quem as sustenta) venha de como temos direcionado nossa educação - e aqui não refiro unicamente sua prática institucional, ocupando fração modesta de nossas vidas em face do quanto nos educamos reciprocamente fora das escolas. Este aspecto, pois, é em extremo difícil de elucidar-se, mesmo que o faça o pesquisador mais imune a parcialidades (quem, talvez, inexista), haja ver estarmos todos imersos nessa 'poça' de mútua instrução, sendo na prática quase nulo o número dos que conseguem ter visão distanciada e mais global da circunstância.

Bom exemplo disto é o relato, na matéria, da pesquisa que atribui nossa tendenciosidade de opinião à solução dos problemas numa primitiva sociedade de coletores nômades com base na cooperação, no interior da qual evoluímos por mais tempo: e se os pesquisadores estão apondo a essa estrutura social remota - e, pois, jamais testemunhada 'in vivo' - os traços há muito consolidados desta sociedade existindo desde quando escolhemos competir entre nós? Enfim, costumo ver com muitas reservas - muitas reservas mesmo! - todo e qualquer experimento da ciência (atitude esta, aliás, tida por eminentemente científica) e com mais ênfase ainda as que envolvem questões da mente.

A ideia de a 'boa' ciência funcionar, entronizada em nossa mentalidade à guisa de esperança para substituir o império dos dogmas religiosos, não tem feito mais do que fundar religião nova, o cientificismo. Há mesmo espécie de 'conspiração' visando minimizar ou relativizar o trabalho que talvez mais importe para o que a pesquisa da ciência pode oferecer como produto final, ou seja, tecnologia (ou 'maneiras de fazer' coisas no mundo, modos de o transformar): a rigor é aos engenheiros que devemos todas elas, uma vez que, a despeito das imprecisões e mesmo dos equívocos nas teorias - ou 'visões' - das ciências dando suporte ao seu trabalho, o engenheiro conta com o que diz ser sua intuição para minimizá-los enquanto produz resultados efetivos. Isto ocorre em todas as áreas em que atua, da construção de aviões e do veículo hoje rodando sobre Marte, até a indução de delírios políticos nas massas, todos frutos da obstinação que apara as arestas do que a ciência fornece e produz fatos novos no mundo que, assim como os demais, naturais, são abordados e nem sempre ou adequadamente compreendidos pela ciência.

(*) Hipótese esta nada difícil de formular e mesmo de verificar e comprovar em vista de, primeiro, a evidência corriqueira e pertinaz de acertos serem em todos os aspectos da vida comum (muito?) menos numerosos do que erros, proporção esta provavelmente presente na pesquisa da ciência, e segundo,  levantamento recente do volume impressionante de teses e outros trabalhos em todas as áreas científicas abandonados no meio do caminho ou não divulgados, esquecidos, prática contraindicada para que avance a ciência, já que o conhecimento dos erros cometidos pode evitar que sejam reproduzidos - lição de domínio comum - e assim acelerar o passo das pesquisas.

No comments:

Post a Comment