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Wednesday, February 15, 2017

Gobekli Tepe - Berço da Razão?

Verdadeiro fascínio é o que tenho pelo tema 'conhecimento', por perceber como o fenômeno ocorre, seu papel na consciência (termo que a rigor significa 'conhecer que conhece' ou 'saber que conhece'). Daí vem um dos meus mais divertidos passatempos, que é observar crianças e animais (mormente os filhotes) em ação, verdadeiras máquinas vorazes de conhecer.

Faz pouco o físico Dr. Michio Kaku​ expôs argumentos interessantíssimos para explicar o recente 'fenômeno Trump', em que desaloja da única maneira convincente o batido slogan 'follow the money' do seu posto de explicador da História (em grande parte herdado do marxismo), pondo em seu lugar o 'follow the knowledge'. Para esse cientista é a ciência - e não o mercado - a responsável pelas várias e drásticas mudanças de rumo sofridas pela humanidade durante o capitalismo desde a revolução industrial, teoria decerto merecedora de algum polimento, mas em princípio inteiramente verossímil, uma vez que esse mercado, interessado exclusivamente em produzir - ou agigantar - riquezas, tenderá a amoldar-se ao que viabiliza ou facilita a obtenção do que o interessa (e quase sempre ao custo dos seus elementos em posições mais frágeis, curiosamente os indivíduos e em maioria!), função naturalmente desempenhada pelo conhecimento.

A descoberta do sítio arqueológico de Gobekli Tepe, na Turquia, de acordo com o viés exposto por cientistas num documentário, vem dar elementos de solidez à teoria do Dr. Kaku, muito embora os termos usados pelos arqueólogos entrevistados pareçam distantes do que hoje entendemos por ciência ou conhecimento, pois parece evidente para esses estudiosos que as construções escavadas - complexo de templos do Neolítico - constituíram o 'fiat' do que bem mais tarde seria a civilzação como hoje a compreendemos, a qual se supóe ter sido possível somente depois de conhecermos a agricultura, ou seja, nosso avanço sobre a domesticação de vegetais e animais teria ocorrido pela necessidade de cultuar deuses, em uma palavra, pela religião. Para os de visão muito segmentada da realidade, verdadeiro balde de água fria e, à primeira vista demolição do excelente argumento do Dr. Kaku, já que para estes religião é o oposto de ciência.

Entretanto, não é bem este o caso. Fascínios como o meu pelo conhecimento raro é que durem se desacompanhados de especulação: tenho pois alguma teoria sobre o que seja conhecer, em verdade apanhado do que de mais convincente me veio à mão das visões remoídas por pensadores ao longo destes dois e meio milênios de História. Segundo entendo, a noção de divindade - na raiz desta que hoje fazemos de Deus - foi de fato a primeira do que hoje chamamos de conhecimento ou ciência e, naturalmente, abarca a filosofia, que é como sua fonte, sua nascente. A noção do divino traz embutido o que seria o coração da ciência como ainda hoje a entendemos, ou seja, o conceito de causa e a admissão de existir ao menos uma a que não têm acesso os nossos sentidos: em outros termos, causa é noção ou intuição que compartilhamos com animais diversos, se não com todos eles (o que se observa quando algum segue pistas, orienta-se pelo faro ou por outro sentido qualquer), mas no caso da noção do divino como agente das mudanças no mundo e existindo para além do que podem perceber os sentidos o conhecimento humano dá um passo particular ao professar sua confiança em a intuição causal instituir objetos - causas, agentes - nesse domínio a que tem acesso exclusivamente o pensamento.

Parece não ser à toa, portanto, que todos os ícones do monumento revelem uma inversão do que apresentam nas pinturas rupestres dos milênios anteriores, nas quais o humano aparece apequenado ou, no máximo, equiparado aos outros animais figurados ao seu redor: em Gobekli Tepe é a figura humana posta como pilares gigantescos das estruturas, como se de joguete do acaso o homem passasse então a esteio do próprio destino e senhor do mundo. É igualmente curioso que Gobekli Tepe mostre indícios de que os ritos  que abrigou tematizavam privilegiadamente a morte, como se ali começasse a construir-se a ideia de vida para lá da vida, a qual não passa de mais um manifesto dessa profissão de fé do homem nas causas inacessíveis aos sentidos, na sua doravante indissolúvel aliança com o conhecimento, já desde então postulado como caminho sem fim.

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